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O poder local e a habitaçao popular


David Capistrano Filho
Alcalde de la ciudad de Santos-Estado de Sao Paulo

Versión en castellano: El poder local y la vivienda popular.



O que é poder local


O poder local em nossa concepção não é o conjunto de forças sociais que atuam numa comunidade, mas uma instância do Estado que tem abrangência no âmbito da cidade ou, no caso brasileiro, do município, concebido este por nossa Constituição como um dos entes da federação que forma nosso país, constituída ainda por estados e União. Diferentemente das esferas estadual e federal, no Brasil o município não obedece à divisão tripartite tradicional, já que não possui o Poder Judiciário, compondo-se pela Câmara dos Vereadores (Legislativo) e pela Prefeitura Municipal (Executivo). Portanto, em nossa concepção o poder local é sinônimo de poder público municipal.

A história do poder local no Brasil remonta às raízes ibéricas da colonização de nosso país e ao longo de quase cinco séculos a autonomia das instâncias locais conheceu fluxos e refluxos provocados pelos movimentos da formação de nosso estado nacional. Em todo o período colonial, em especial, mas também durante os dois impérios, as comunidades locais conheciam relativa autonomia oriunda principalmente das distâncias que as separavam da sede colonial e da metrópole e das dificuldades de comunicação com as mesmas. Assim, as vilas, cidades e províncias eram obrigadas a se organizar para resolver a maioria de seus problemas dentro de seus próprios limites. Apesar da centralização formal e burocrática do Estado nos poderes do rei ou dos imperadores, a presença real do poder principal era esporádica e intermitente.

Já perto da virada do século a centralização conheceu um período de maior força com a fundação da República, em 1889. Mesmo assim, como a chamada Primeira República se fundamentava sobre o poder oligárquico regional ou estadual, a descentralização continuou existindo na práxis política. Apesar de haver diretrizes nacionais definidas pelo Executivo e Legislativo centrais, prevalecia uma fragmentação do poder que favorecia uma certa independência regional. As demandas e interesses locais muitas vezes se sobrepunham às orientações vindas da sede. Essa configuração se manteve e se fortaleceu durante cinquenta anos e só se modificou com o advento da Revolução de 1930, que tinha justamente por objetivo e motivação se contrapor a ela.

A chegada de Getúlio Vargas ao poder ocorreu num processo em que se buscava romper as origens oligárquicas do Estado brasileiro e promover uma centralização capaz de lhe dar condições para alavancar a industrialização nacional. Um ato simbólico que consegue dar a dimensão do que os revolucionários de 1930 queriam fazer e fizeram foi a queima das bandeiras dos estados, significando o surgimento de um verdadeiro Estado nacional, que a partir do golpe de 1937 assumiu um modelo influenciado pelo fascismo. Apesar de a quebra do poder oligárquico não ter sido completa, Vargas conseguiu restringi-lo a seus limites territoriais e implantou, pela primeira vez na história brasileira, a subordinação real de estados e municípios à vontade da sede da federação.

Com a saída de Vargas da presidência da República e o fim de seu Estado Novo, em 1945, inicia-se a democratização do país, o que permitiu o ressurgimento dos municípios como instâncias de poder autônomas e atuantes. Essa nova descentralização conhecia, no entanto, limites bem brasileiros: onde havia uma preponderância de forças políticas de esquerda ela foi adiada ou mesmo impedida, já que o poder central estava em total consonância com as diretrizes americanas da Guerra Fria.

O breve período democrático conheceu seu fim em 1964 com o golpe militar que instalou a ditadura que duraria pouco mais de vinte anos. Um novo período de concentração de poderes se iniciou, dessa vez com uma violência inédita que cassou os direitos políticos de prefeitos recém-eleitos, impediu a realização de novas eleições e castrou por completo a autonomia de muitos municípios, sob a alegação de que estavam em área de segurança nacional. Dentre esses estava a cidade de Santos, que viveu um longo período sem eleger seu prefeito por abrigar o principal porto do país e ter uma tradição de esquerda, a ponto de ser conhecida como Cidade Vermelha, alimentada principalmente por um forte movimento sindical, em especial o dos trabalhadores portuários.

O processo de redemocratização do país se desenvolveu ao lado do crescimento das pressões descentralizantes na busca de retomar o verdadeiro caráter de federação do Estado brasileiro. Ainda em 1976, quando da primeira vitória eleitoral expressiva das forças democráticas sobre a ditadura, o movimento municipalista se reforçou. Naquele ano, a oposição conquistou suas primeiras prefeituras e começou experiências administrativas de sucesso, como as de Lajes, no Paraná, e Piracicaba, em São Paulo.

Essa luta pela reconstrução da democracia acabou por desembocar no Congresso Constituinte que elaborou a nova carta magna do país, em vigor desde 1988. A nova Constituição procurou responder às demandas por autonomia política e financeira dos entes da federação em relação à União e tratou de alterar a perversa distribuição de receitas entre as instâncias de poder. Muito foi conseguido, apesar de os municípios brasileiros ainda terem dependência financeira considerável (ver tabela 1) se compararmos com a situação vivida por alguns países europeus como a Suécia, onde 67% da arrecadação pública fica na esfera local.

Aqui cabe um parêntese sobre uma peculiaridade da história municipalista no Brasil. Mesmo durante os períodos de maior centralismo o município manteve sua capacidade de tributar, ainda que mantida dentro de limites estreitos. Essa característica diferencia o Brasil de muitos países latino-americanos e europeus, nos quais o poder local não tem arrecadação própria, apesar de ter receita garantida.

Durante a reconstrução democrática, novos atores políticos e sociais surgiram e se consolidaram como interlocutores do Estado e representantes da sociedade. Os movimentos sociais, em especial os urbanos, como o sindical e os por moradia, passaram a exigir o apoio das autoridades locais para a realização de suas lutas. Esse ambiente ajudou a reforçar a tendência descentralizadora que se consubstanciou na Constituição de 1988.

Hoje, do ponto de vista legal, os municípios brasileiros gerenciam diversas áreas da atuação do Estado. É assim com a saúde e a educação básica, nas quais o governo federal tem o papel apenas de desenhar as diretrizes gerais. É o município quem deve suprir as necessidades da população nesses e em outros serviços tipicamente urbanos, como coleta e destinação de resíduos e lixo, atividades culturais, esportivas e de lazer.

No entanto, no que tange à habitação popular, os municípios ainda não têm como regra uma presença ativa na construção de moradias, embora possam legislar sobre o tema. Ainda há uma dependência grande em relação aos estados e à União, principalmente por causa das linhas de financiamento e por falta de vontade política dos chefes dos executivos municipais de reservar uma parte de seus orçamentos para habitação. Cidades que têm suas próprias políticas habitacionais, como Santos, ainda são exceções.

Por fim, nessa definição de nosso conceito de poder local, cabe ressaltar uma cararacterística brasileira desse processo de descentralização. Em nosso país não existe um vínculo necessário entre a municipalização e políticas neoliberais de busca de qualquer variante de um Estado mínimo. Pelo contrário, como esse movimento funcionou como um dos motores da democratização do país, o que sua vertente progressista busca é um Estado desprivatizado e capaz de agir para disciplinar as forças do mercado no âmbito municipal.



O que é habitação popular


Antes de tudo gostaríamos de reafirmar um princípio que norteia toda a nossa ação nessa área: a habitação constitui um direito humano básico. Afinal a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 25, prevê que todos têm o direito a um padrão de vida adequado para sua saúde e bem-estar e de sua família, incluindo... moradia.... Sendo assim, considero um dever do Estado prover as condições para o pleno exercício desse direito fundamental.

Levando-se em conta que o Brasil sustenta uma imensa desigualdade social, com uma concentração de renda quase sem similares no mundo, devemos considerar que a uma enorme parcela da população não são dadas possibilidades de acesso ao mercado imobiliário. O processo de fragilização das relações de trabalho, em curso no mundo e acirrado em nosso país com a chegada ao poder do atual governo federal, só tem agravado essa realidade.

Cada vez mais os trabalhadores, mesmo tendo mantido seus empregos, não conseguem atingir um nível de renda suficiente para adquirir ou construir um imóvel. Também é crescente o número de pessoas desempregadas ou jogadas no chamado mercado informal, geralmente um eufemismo para subemprego ou mesmo para trabalho semi-escravo. Com isso é crescente também a demanda por habitação. No Brasil como um todo, para as faixas de população mais carentes, com renda familiar de até 300 dólares/mês, a demanda habitacional é superior a 10 milhões de unidades, sendo necessárias cerca de 15 milhões de novas habitações até o ano 2000.

A produção da imensa maioria das habitações ocupadas pelas faixas da população de baixa renda, até este momento, tem ocorrido através da iniciativa direta dos próprios usuários. Particularmente as famílias com renda mensal inferior a 100 dólares/mês, via de regra, têm acesso a moradias precárias através da produção espontânea (auto-ajuda ou ajuda-mútua) ou de programas especiais nos quais está presente algum tipo de subsídio oficial, utilizando-se em ambos os casos, as chamadas habitações evolutivas, onde o usuário encarrega-se de finalizar a moradia de acordo com suas possibilidades financeiras.

Portanto, quando falamos em habitação popular estamos nos referindo a políticas e ações do poder público para assegurar a esse segmento acesso a moradias adequadas. Isso só pode se dar se não houver vinculação com a lógica do mercado que em geral ignora as necessidades dessa população excluída e também se o poder público oferecer financiamentos e subsídios.

Incluimos ainda em nosso conceito de habitação popular o oferecimento de acesso aos serviços urbanos a essas pessoas de tal maneira a assegurar-lhes condições de vida saudáveis e dignas, transformando-os em verdadeiros cidadãos. Sem esse pressuposto, a moradia fica resumida à garantia de um teto para que essa população possa se reproduzir, mantendo, no entanto, as mesmas condições de exclusão e miséria em que se encontram.



Sete teses sobre poder local e habitação popular


1) O município que resolver enfrentar o problema da habitação deve modificar a legislação sobre o uso do solo urbano para coibir a especulação imobiliária e assegurar condições para a produção de habitação para a população de baixa renda. No Brasil, o poder local tem competência para legislar sobre esse tema. Onde isso não for possível torna-se fundamental empreender a luta para ter tais condições.

O primeiro passo para a atacar de frente o problema da falta de moradia na cidade de Santos foi a criação das bases legais para a intervenção do poder público na questão. Em 15 de maio de 1992, foi aprovada a Lei Complementar n. 53, a Lei das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), parte integrante do Plano Diretor da cidade e efetivamente implantada no ano seguinte. Essa legislação tem sua fundamentação na Constituição que determina, em seu artigo quinto, que a propriedade privada deve ter função social e, no artigo 182, que essa função social será cumprida quando atender às exigências fundamentais da ordenação da cidade expressas no plano diretor.

É importante observar que, além de viabilizar a Reforma Urbana também preconizada pela Constituição, a legislação de ZEIS aprovada em Santos desenvolveu critérios específicos para uso e ocupação do solo, rompendo uma série de limites que dificultavam a iniciativa de famílias, comunidades e empresários no tocante à produção de habitações regulares e a um custo menor.

São três os tipos de ZEIS:

ZEIS 1: Áreas ocupadas por população de baixa renda (favelas, em geral), onde há interesse e condições para promover-se a regularização fundiária, implantar-se melhorias urbanas (saneamento básico, água, luz, etc.) e construir-se habitação e equipamentos sociais (escolas, guarderías, postos de saúde, etc.). As tipologias físicas pré-existentes nas áreas de ZEIS 1 são extremamente desfavoráveis, configurando situações dramáticas se levados em conta os riscos de vida, as péssimas condições de saneamento e aspectos ligados a saúde pública.

São áreas localizadas nos morros (cierros) e principalmente na Zona Noroeste de Santos, esta última uma região baixa, ao nível do mar, onde são numerosas as palafitas, casas precárias feitas de madeira e materiais muitas vezes provenientes do lixo, construídas sobre áreas inundáveis ou sobre braços de mar.

As obras envolvem desde a estabilização de encostas, no caso dos morros, até grandes massas de aterro em algumas áreas alagadas. Invariavelmente, as intervenções sempre prevêm a dotação de infra-estrutura (saneamento básico, drenagem, água e eletricidade), com a posterior regularização da posse da terra.

Atualmente, são cerca de 6.200 famílias sendo atendidas, segundo demonstra o quadro a seguir:

A execução das habitações dá-se com a participação parcial ou total da administração municipal, havendo três tipos de soluções:



ESTÁGIO DE INTERVENÇAO
PROJETO NO DE FAMÍLIAS URBANIZAÇAO REGULARIZAÇAO
Dique 2.808 1a e 2a fases - 1220 fam. em andamento
Vila Alemoa 1.000 500 famílias em andamento
Vila Progresso 874 em projeto cadastramento
Vila Santa Casa 156 em execução terreno adquirido PMS
Vila José Menino 287 concluída concluída
Torquato Dias 146 em projeto em andamento
Lomba da Penha 80 em projeto em andamento
Caneleira III 400 em execução em andamento
Vila Telma 111 concluída em andamento
Estuário 88 em execução em andamento
Vila Redenção 15 em projeto em andamento
Vila Pantanal 183 em execução em andamento
N.Sra. de Fátima 80 em projeto em andamento
TOTAL 6.228


ZEIS 2: Áreas delimitadas onde não exista ocupação e que apresentem boas condições para a implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social. Estas áreas estão sujeitas desde maio de 1994 a imposto progressivo sobre a propriedade urbana. Os donos de imóveis, no entanto, podem beneficiar-se de incentivos previstos à construção de moradias populares _ sua destinação obrigatória_ tais como parâmetros especiais de loteamento, índice de ocupação e índice de construção.

A intervenção nessas áreas caracteriza-se pela implantação e entrega de lotes urbanizados para posterior execução das unidades habitacionais em regime de auto-construção to-ajuda e ajuda-mútua beneficiando os integrantes de movimentos populares de luta por moradia. Por outro lado, ao promover a simplificação das regras relativas aos parâmetros urbanísticos e de edificação, a través da lei de ZEIS, o poder local incentiva também a produção de lotes ou conjuntos habitacionais pela iniciativa privada e associações comunitárias.

A possibilidade de um maior adensamento das soluções habitacionais nestas áreas, quando comparadas com as estabelecidas pelo zoneamento para o restante da cidade, torna possível uma redução nos custos de infra-estrutura.

Nas questões ligadas ao desenho urbano, a legislação aplicável nas ZEIS do tipo 2, remete a um repertório de soluções atualmente abandonado, do qual fazem parte as antigas Vilas Operárias do início do século, as casas sobrepostas e os condomínios horizontais.

ZEIS 3: Áreas deterioradas formadas por edifícios urbanos ocupados, como cortiços (casas de vencidad), onde existam condições favoráveis e interesse social em promover projetos habitacionais, seja através de reforma ou construção nova, priorizando aqueles habitantes que já vivem no local. A locação social é a principal forma de acesso à moradia prevista para as ZEIS do tipo 3. O aluguel social, na grande parte dos casos, incorpora um subsídio oficial, na medida em que a demanda é constituída por famílias extremamente carentes.

Ao contrário de experiências semelhantes ocorridas em outros países, particularmente na França, neste caso não se trata de famílias com perspectivas de ascensão social a curto prazo, o que tornaria a locação social uma espécie de estágio intermediário antes de se alcançar a casa própria ou a possibilidade de pagar o aluguel de mercado. Os mecanismos financeiros criados para manutenção de programas deste tipo em países desenvolvidos dificilmente poderiam servir de modelo para a sua implantação em cidades do Terceiro Mundo.

Vários imóveis antigos localizados no Centro Histórico de Santos encontram-se em fase de recuperação e reabilitação para fins de locação social. Nestes imóveis, alguns deles ex-cortiços, residirão cerca de 100 famílias, dando início a um dos programas pioneiros deste gênero no Brasil.

2) A participação popular garantida por lei é fundamental para o sucesso da política habitaconal do município.
Em Santos, a participação popular começou já no processo de discussão e elaboração da legislação que fundamenta a nossa política habitacional. Nesse processo foram ouvidos e tiveram ampla participação desde os movimentos por moradia até os agentes formais da produção imobiliária na cidade.

Um dos instrumentos legais que asseguram a participação popular é a necessidade de que todas as ZEIS do tipo 1 tenham uma Comissão de Urbanização e Legalização (Comul), nas quais têm representação o executivo municipal, o legislativo e entidades civis. Cabe à Comul, sobretudo, acompanhar e fiscalizar a elaboraçào e implantação do Plano de Urbanização e Regularização Jurídica na respectiva área.

O Conselho Municipal de Habitação, também criado por lei, e formado por representantes da população, da sociedade civil organizada e do poder público, é outra garantia de participação popular. Ele tem como objetivo aprovar, supervisionar e gerar normas e diretrizes para a aplicação dos programas habitacionais do município. A cada dois anos acontece a Conferência Municipal de Habitação, quando se definem os pontos que direcionarão o funcionamento do conselho pelo período seguinte.

A primeira dessas conferências aconteceu em 1993 e se caracterizou por uma preponderância de reivindicações e projetos. No ano passado, com a participação de mais de mil pessoas, foi realizada a segunda conferência, que demonstrou o amadurecimento do conselho e das relações entre a população, os movimentos organizados, a sociedade civil e o poder público.

3) O orçamento municipal deve garantir destinação de recursos aos programas habitacionais.
No caso santista, o orçamento municipal destina 5% aos projetos de habitação popular. Essa destinação se dá através do Fundo de Incentivo à Construção de Habitação Popular (Fincohap), constituído de recursos do orçamento do município, mas que pode receber verbas de terceiros, bem como dos governos federal e estadual. Em razão de sua finalidade o Fincohap é um fundo rotativo, ou seja, recebe recursos, financia projetos e recebe prestações dos beneficiários finais-aqueles que já receberam suas casas. Ao retornar, o dinheiro das prestações é utilizado para o financiamento de novos projetos. O poder público municipal dá sustentação ao fundo suprindo omissões dos governos federal e estadual. Para este ano estimamos em mais de US$ 10 milhões no setor. Essa destinação de recursos permitirá que ao término do atual mandato, o déficit habitacional da cidade, hoje estimando em dez mil moradias, tenha sido reduzido em cerca de 50%.


4) O município deve se articular com as forças políticas e sociais locais para pressionar outras esferas de governo para que estes definam diretrizes para a habitaçào popular e aloquem recursos que se somem aos municipais.
O poder local não pode ser considerado uma ilha isolada em relação às demais instâncias de poder do Estado. pelo contrário, ele deve ser o indutor e o condutor de demandas da cidade, fazendo-as chegar aos governantes centrais. Essa atuação política do representante do poder local é fundamental para a consolidação da sua relação com apopulação que representa. À frente da prefeitura de Santos, não nos furtamos de participar do debate político nacional; pelo contrário, consideramos essa atuação parte fundamental do nosso papel político, assumido quando fomos eleitos pela população. Com essa atuação conseguimos, por exemplo, que o governo federal se comprometesse a financiar parte do nosso principal projeto habitacional, a urbanização da favela sobre palafitas do Dique da Vila Gilda.

5) A política habitacional deve priorizar a fixação das populações nos locais onde elas já residam.
Devemos a todo custo evitar a transferência de grandes massas populacionais dos locais que já ocupam, evitando assim afastá-las dos seus locais de trabalho. Essa tese só não pode ser seguida quando as moradias existentes ocuparem áreas de risco, como é o caso de parcela da população que habita áreas dos morros santistas, que apesar do alto custo financeiro e humano, devem ser retiradas desses locais.

Essa tese se justifica pela consciência que temos da necessidade de se evitar a criação de novas demandas por serviços públicos, como saneamento básico e transportes, por exemplo. A nossa política habitacional entende que a escolha dos locais de moradia pelas populações se dá muitas vezes pela proximidade com o trabalho. Removê-las irá provocar uma diminuição de sua renda, já que passarão a gastar mais com transporte. Em Santos, trabalhamos com o conceito do não-transporte, ou seja, evitamos criar a necessidade de locomoção diária entre casa, lazer e trabalho.

A partir dessa consciência é que desenvolvemos o projeto de locação social, que procura oferecer condições de habitabilidade aos moradores dos cortiços que se concentram principalmente no centro da cidade, onde também estão as principais fontes de emprego das populações que residem nessas habitações precárias.

6) A política habitacional deve ser integrada a outras que envolvam a recuperação de áreas degradadas ambientalmente, que busquem geração de empregos e oferecimento de serviços públicos, como saúde, educação, cultura, esporte, lazer, etc.
Em Santos sempre procuramos combinar a intervenção na área da habitação com outras ações que também garantam não só uma moradia digna, mas também condições de habitabilidade que dependam do oferecimento de serviços públicos acessíveis e um ambiente saudável.

Um exemplo de intervenção que também age no campo ambiental é a urbanização da favela sobre palafitas do Dique da Vila Gilda. Nesse local, além de construirmos moradias de alvenaria em substituição aos barracos, realizamos a canalização de um braço de mar, o chamado Rio do Bugre, e criamos um sistema de saneamento básico que irá recuperar as condições de balneabilidade do curso d'água. Também foi criada uma rede de serviços públicos com vistas a atender a população local, antes obrigada a se deslocar para outras áreas para ter atendimento médico ou escolas.

7) A política habitacional não pode se submeter à lógica do mercado, de segmentação dos espaços urbanos, e deve evitar a formação de guetos sociais.
Uma política habitacional que tenha como um de seus nortes o desejo de favorecer o desenvolvimento social não pode se curvar à lógica de que populações de diferentes níveis de renda devem necessariamente ocupar espaços físicos diferentes. Não compactuamos com a política vigente em nosso país durante a década de 70 e boa parte do decênio seguinte que apregoava a construção de bairros populares distantes dos centros urbanos. Essa idéia era interessante para a especulação imobiliária, que se beneficiava com o aproveitamento das zonas intermediárias entre os centros e os distantes bairros operários e populares. Acreditamos que seja salutar para o desenvolvimento da sociedade a convivência entre os diferentes extratos sociais. Isso e a experiência de superação dos conflitos fortalece a democracia e a idéia de igualdade entre os homens.

Gostaríamos de finalizar ressaltando que a solução para os problemas habitacionais de nossas populações excluídas está ao alcance da mão, bastando para atingi-los a vontade política de estender os braços alternando punhos fechados e abertos conforme os momentos de luta e de acolhimento.


David Capistrano, médico y alcalde de la ciudad de Santos, Estado de Sao Paulo. Miembro de la Dirección Nacional del Partido de los Trabajadores. Desde hace trece años se ocupa de cuestiones relativas al Poder Local.

Fecha de referencia: 30-04-1997

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